domingo, 11 de agosto de 2013

Um dia não tão normal


                                         





No banho frio o cabelo estava sendo lavado com condicionador e reidratado com shampoo. Só percebi a troca quando li os rótulos. Não importava, o jasmim perfumado já havia se espalhado em movimentos rápidos pelo meu corpo que se encontrava em chamas, mesmo com o toque dos meus próprios dedos. Cantarolei um pouco de Draconian enquanto me enxugava com uma toalha bordada em letras azuis. 

Liguei a Tv e no noticiário passava comerciais e reportagens ridículas sobre os presentes que os filhos cheios da grana iriam comprar para os seus pais. Eu pouco estava me importando com o capitalismo incinerando as datas festivas, ou muito menos com os lábios deliciosos daquela repórter gostosa que agora falava o lead de uma outra notícia, e com uma voz extremamente sexy. Se ela fosse ao menos uma profissional das forças armadas até poderia pegá-la à noite para dançar um tango em meu apartamento de quinta. 

Mudei o canal, a programação estava até mais interessante com o ritmo de festa daquele velho filho da puta do Sílvio Santos. Eu ia com a cara dele e se já fosse nascida na década de 80, e ele tivesse levado em frente o lance da presidência, teria com certeza clicado nas teclas do um e do seis. Quem sabe ele não distribuiria bolsas Jequiti para todo mundo andar cheiroso e com a pele macia. 

Estou contando tudo isso só para esquecer que estou na véspera do meu assassinato. Já sonhei duas vezes com o meu colega de classe me matando e embora sabendo que isso pode parecer uma idiotice, acredito na força das fantasias da mente humana. Quando daqui a alguns dias lerem no jornal que o meu corpo fora esfaqueado, lembrem-se ao menos de doar os meus órgãos, de entregarem a graviola que deixei em meu testamento para o meu melhor amigo, e de preservarem na memória o sonho que eu tinha de transformar o mundo, com a minha guitarra e com a minha voz rouca. 


Tamires de Lima

Um comentário:

  1. como te disse antes, este teu texto é cheio de nuances sombrias, quase kamikaze, mas, por sorte vejo em tuas palavras tanta sobriedade, o que deixa seu texto firme e com uma mensagem clara.

    ResponderExcluir